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AS DUAS VINDAS DE CRISTO

A oração final da Missa nos dá o sentido do tempo e do Ano Litúrgico que hoje iniciamos, com as quatro semanas de preparação para o Natal e para a segunda vinda de Jesus, que pedimos em cada celebração eucarística, fazendo nossa a oração da Igreja no livro do Apocalipse: “Vem, Senhor Jesus! ” (Ap 22,20).

A pandemia vivida no ano em curso levou a humanidade a reconhecer a precariedade da vida e sua dependência de “Algo” superior, que não está ao alcance de suas mãos. Para nós, que cremos, é Alguém, o próprio Deus, criador de tudo e de todos.

Para os que creem, também este tempo deve ser interpretado como um sinal que nos alerta para a vigilância sobre nossas atitudes para com a natureza (Laudato Si’), para com os irmãos (Fratelli Tutti) e para com a espera de Jesus no último dia: “Vigiai porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo (Mc 13 35-36).

É necessário, pois, estar sempre em vigília, enfrentando com coragem a vida e seus desafios. Não sabemos quando o Senhor virá. É certa a sua segunda vinda, mas pode acontecer que nos encontremos com Ele na morte, antes que, de novo, venha “em sua glória para julgar os vivos e os mortos”. Quantos conhecidos foram colhidos pela morte na aurora da vida, quando jovens, adultos e idosos cheios de saúde! Quando não esperavam, porque todos desejamos viver e ser felizes.

A oração do profeta Isaías, na primeira leitura, certamente escrita no tempo da reconstrução de Jerusalém, fazendo uma confissão de culpa com todo o povo, dirige-se a Deus, Pai e Redentor, justo e misericordioso: “Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperaram. Vens ao encontro de quem pratica a justiça com alegria, de quem se lembra de ti em teus caminhos” (Is 4, 3-4). Ele pede que Deus desça do céu e salve o seu povo.

O que toda a humanidade, de joelhos pede em tempos difíceis, senão que Deus desça do céu ou que lhe envie um sopro de esperança? Basta que nos lembremos da oração do Papa Francisco, dia 27 de março último, na Praça de São Pedro, vazia e solitária, onde se erguia o Crucifixo milagroso da Igreja de São Marcelo, e sob o canto das ladainhas. Imersos no pecado e na “globalização da indiferença”, o Salmo 79 nos ajuda a rezar: “Iluminai, a vossa face sobre nós, convertei-nos, para que sejamos salvos! ”

Quando cada um de nós e a humanidade se deixar iluminar por Deus, reinará a justiça e a fraternidade, cessarão os interesses mesquinhos e egoístas que fazem nascer as guerras, para dar lugar ao amor fraterno. Vigiar, portanto, equivale a se converter, mudar a direção da vida para Deus. Sem Deus, não somos nada!

Em Jesus, Deus desceu do céu, se fez homem como nós no seio da Virgem Maria, Deus conosco e Redentor de todos, para perdoar nossos pecados e salvar a humanidade inteira.

Ele se faz presente na história e na vida dos que nele creem, pelo Espírito Santo que nos foi dado, através dos dons e carismas que gratuitamente derrama: “Não tendes falta de nenhum dom, vós que aguardais a revelação do Senhor nosso Jesus Cristo! ” (1 Cor 1, 7)

São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo e doutor da Igreja na Homilia sobre o Salmo 49, nos ensina: “Quando da sua primeira vinda, Deus veio sem brilho, desconhecido da maioria, prolongando durante longos anos o mistério da sua vida oculta. Quando desceu do monte da Transfiguração, Jesus pediu aos seus discípulos que não dissessem a ninguém que Ele era o Cristo. Vinha como pastor à procura da ovelha perdida e, para recuperar esse animal rebelde, tinha de permanecer oculto. Tal como um médico que tenta não assustar o seu doente na primeira consulta, também o Salvador evitou dar-Se a conhecer logo no início da sua missão, só o fazendo pouco a pouco.

O profeta tinha predito esta vinda sem brilho nestes termos: ‘Descerá como a chuva sobre um velo e como a água que corre gota a gota sobre a terra’ (Sl 71,6). Ele não rasgou o firmamento para vir sobre as nuvens, mas veio em silêncio, permanecendo nove meses oculto no seio de uma Virgem. Nasceu num presépio, como filho de um humilde operário. […] Andou dum lado para o outro como um homem normal; as suas vestes eram simples, a sua mesa frugal. Caminhava sem parar, a ponto de ficar cansado.

Mas a segunda vinda não será assim. Ele virá com tanto brilho que nem terá de anunciar a sua chegada: ‘Como o relâmpago que parte do Ocidente e aparece no Oriente, assim será a vinda do Filho do homem’ (Mt 24,27). Este será o tempo do julgamento e da sentença, em que o Senhor não aparecerá como médico, mas como juiz. […] David, o rei-profeta, fala de um esplendor, de um brilho e de um fogo irradiando em todas as direções: ‘Um fogo caminhará diante dele e à sua volta rugirá violenta tempestade’ (Sl 49,3). Todas estas comparações pretendem fazer-nos compreender a soberania de Deus, a luz intensa que O rodeia e a sua natureza inacessível”.

Vivamos este tempo do Advento como tempo de graça e de esperança! Não caminhamos para o nada! Nosso caminho é para Deus e seu Cristo, que virá uma segunda vez “para julgar os vivos e os mortos. E o seu Reino não terá fim”.

Rezemos, pois, com a Igreja neste domingo: “Fazei, Senhor, que a participação nos vossos sagrados mistérios, nos ajudem a amar desde agora o que é do céu e, caminhando entre as coisas que passam, abraçar as que não passam”.

Que a Virgem Maria e São José iluminem nosso tempo de espera e nos ajudem a abrir nosso coração aos que sofrem e passam necessidade. Assim, também nosso Natal, mesmo em tempo de pandemia, será diferente!

+ Dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro

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