Câmara Eclesiástica de Justiça

O vigário judicial da Diocese de Oliveira e juiz do Tribunal Eclesiástico de Divinópolis, Pe. José Ananias da Costa, participou do Programa Trilhas da Boa Nova, exibido no dia 21 de novembro de 2018. O sacerdote abordou assuntos relativos à Câmara Eclesiástica de Justiça, responsável, dentre outros assuntos, pelos processos de nulidade matrimonial.
A seguir você encontra o conteúdo da conversa transcrito com as dúvidas esclarecidas pelo Vigário Judicial.

– Hoje vamos falar sobre a Justiça Eclesiástica. Sabemos que um dos principais assuntos tratados por essa seção é o matrimônio. Mas antes de falarmos sobre os processos tratados, gostaria de perguntar: o que significa o Sacramento do Matrimônio para a Igreja?

> O Código de Direito Canônico, cânon 1055, baseando-se na Constituição Gaudium et Spes, nº 48, do Concílio do Vaticano Il, assim define o matrimônio:

“Cânon 1055 – § 1º – A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão de vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento.

§ 2º- Portanto, entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, ao mesmo tempo, sacramento”.

Como se vê, o cânon define o matrimônio como aliança (ou como contrato), pela qual duas pessoas se dão totalmente uma à outra, a fim de se ajudarem mutuamente a atingir as finalidades que o Senhor lhes assinalou. Dessa mútua complementação nasce a prole, expressão do amor recíproco de esposo e esposa.

Notamos que, conforme o cânon, o matrimônio é uma instituição natural, pré-cristã, que por Cristo foi elevada a um plano superior, sacramental, realizando uma miniatura da união de Cristo com a sua Igreja. Isto quer dizer que as propriedades da união matrimonial “monogamia e indissolubilidade” não vigoram apenas no plano sacramental, para os fiéis católicos, mas decorrem da própria índole natural do matrimônio. Uma doação total, por ser total, não pode ser retalhada entre um homem e várias mulheres (ou uma mulher e vários homens), nem admite condições (“eu te amarei… até o dia em que me aborreceres”).

– Para a Igreja o casamento é indissolúvel. Logo, a união religiosa não pode ser repetida em caso de separação. Este tema já gerou muitas discussões, inclusive na história. O caso do Rei Henrique VIII, que queria casar-se novamente, gerou uma cisão na Igreja. No entanto, as Câmaras Eclesiásticas atuam com os casos de nulidade matrimonial. O que é a nulidade matrimonial? Quais os principais casos em que um casamento pode ser declarado nulo?

Nulidade Matrimonial – Para responder a essa pergunta precisamos primeiro definir uma coisa e outra. Existe notável diferença entre declarar nulo e anular. Anular significa desfazer, destruir o vínculo matrimonial, ao passo que declarar nulo implica averiguar e tornar público o fato de que nunca houve vínculo matrimonial. Ainda que tenha havido uma celebração, pública ou privada, ainda que tenham convivido por pouco ou muito tempo, ainda que possam até ter gerado filhos e, quiçá, tenham sido até bons pais.

A nulidade matrimonial, declarada, nada mais é, que a Igreja reconhecer, através de um Tribunal competente, que o matrimônio daquele casal nunca foi válido, nunca existiu.

Importante ressaltar que, não basta o casal estar separado para poder pedir a nulidade do seu casamento. O Tribunal somente pode acolher um pedido de nulidade se houver fundamento para tal.

Cân. 1676, § 1º Recebido o libelo (história), o Vigário judicial, se considera que ele goza de algum fundamento, admita-o e, com decreto aposto na parte inferior do próprio libelo, ordene que uma cópia seja notificada ao defensor do vínculo e, se o libelo não foi subscrito por ambas as partes, à parte demandada, dando-lhe o prazo de quinze dias para exprimir a sua posição referente à petição.

Em se tratando de pedido que tem fundamento para estar em juízo, sempre será admitido o mesmo.

Estar em juízo não significa que o casamento é nulo. Somente ao final do processo é que os juízes designados para a causa, emitirão sentença, positiva ou negativa. De toda sentença cabe recurso.

Sobre os motivos para se acusar a nulidade matrimonial, a atual legislação aponta 19 capítulos de nulidade. Não existem principais casos. Existem histórias que envolvem duas partes (marido e mulher) que a Igreja estuda através do Tribunal competente e ao final apresenta uma solução.

1. Falta de capacidade para consentir (cânon 1095)
2. Ignorância (cânon 1096)
3. Erro (cânones 1097-1099)
4. Simulação (cânon 1101)
5. Violência ou medo (cânon 1103)
6. Condição não cumprida (cânon 1102)
7. Idade (cânon 1083)
8. Impotência (cânon 1084)
9. Vínculo (cânon 1085)
10. Disparidade de culto (cânon 1086, cf cânones 1124s)
11. Ordem Sacra (cânon 1087)
12. Profissão Religiosa Perpétua (cânon 1088)
13. Rapto (cânon 1089)
14. Crime (cânon 1090)
15. Consangüinidade (cânon 1091)
16. Afinidade (cânon 1092)
17. Honestidade pública (cânon 1093)
18. Parentesco legal por adoção (cânon 1094)
19. Falta de forma canônica na celebração do matrimônio (cânones 1108-1123)

A Igreja não anula uniões sacramentais validamente contraídas e consumadas, mas pode, após processo meticuloso, reconhecer que nunca houve casamento, mesmo nos casos em que todos o tinham como válido.

A atual legislação da Igreja leva muito em conta as capacidades e limitações psíquicas dos nubentes para contrair obrigações matrimoniais vitalícias. Não basta analisar o comportamento externo de alguém para o definir, é preciso reconhecer que muitos atos das pessoas são irresponsáveis, semiconscientes e inexpressíveis, porque no foro interno faltam o senso de responsabilidade, a maturidade ou a liberdade necessárias para que o ato tenha valor plenamente humano e jurídico.

São cada vez mais freqüentes os casos de matrimônios fracassados. Se tal foi validamente contraído na Igreja, não, há como o dissolver, pois, segundo a lei de Cristo, não há divórcio; (cf. Mc 10,11s; Lc 16,18; Mt 19,1´9; l Cor 7,10). Pode acontecer, porém, que o vínculo matrimonial nunca tenha existido, pois terá havido um vício que terá tornado nulo o consentimento dos noivos. Em tais casos, a Igreja pode instaurar um processo para averiguar a nulidade do matrimônio; se esta é comprovada, a Igreja declara nulo o casamento. Nem todas as pessoas interessadas estão esclarecidas a respeito. Por isto sofrem o fracasso de um “matrimônio” que talvez nunca tenha existido. Daí a importância de oferecermos (bispo e padre) aos fiéis uma explanação das possibilidades das normas do Direito Canônico relativas à validade e à nulidade do casamento.

– Como dito em breve texto publicado no meu perfil pessoal de Facebook, as Câmaras Eclesiásticas apenas auxiliam os Tribunais aos quais estão ligadas e, realizam os atos pedidos por estes. O Tribunal Eclesiástico é responsável por julgar todas as causas para as quais tem competência, seja de nulidade matrimonial, seja outros assuntos pertinentes. Como nossa Diocese não tem Tribunal próprio, somos servidos pelo Tribunal Eclesiástico de Divinópolis que julga as nossas causas desde 2008, salvo engano. Antes, nossas causas eram julgadas e definidas pelo Tribunal Interdiocesano e de Apelação de Belo Horizonte.

Sobre o Rei Henrique VIII, a partir de quem A reforma anglicana aconteceu, que o mesmo tomou a decisão, de mudar a religião oficial do país, tornando oficial uma igreja criada especialmente para tal propósito, com ritos similares ao do catolicismo, mas que teria como chefe supremo o monarca inglês no lugar do papa.

Tal mudança foi promulgada em 1534, e deriva da recusa do papa em aceitar o divórcio de Henrique e sua primeira esposa, a rainha espanhola Catarina de Aragão. O resultado é o rompimento do rei inglês com a igreja católica. O rompimento trazia a vantagem de acabar com a influência da igreja na política da Inglaterra e deixava a nobreza local livre para apossar-se das terras e dos bens da igreja. Esses fatores serviriam para fortalecer o poder da monarquia inglesa.

Na realidade o rompimento se deu porque o rei queria uma vantagem pessoal que não poderia ser atendida pelo Papa, então criou uma igreja “particular” que atenderia seus caprichos. Já naquele tempo, porque sempre existiu, existiam casos de nulidade matrimonial, embora a legislação não estivesse reunida num único “livro”. Provavelmente ele tinha outros motivos também para criar a sua igreja.

– Qual o tempo médio de um processo de nulidade matrimonial?

> O Tribunal nunca marca um tempo para se definir um processo. Este depende de vários fatores. Apenas para exemplificar: pode acontecer que uma pessoa seja intimada a prestar depoimento e não compareça. Ela será chamada uma segunda vez, mas ela deve ir para o final da fila de intimações. Já aconteceu mais de uma vez, de haver mudança de endereço da parte envolvida e o novo endereço não ser comunicado, gerando também atrasos, quando não, o arquivamento do processo. Outro fator, que acredito tem gerado maior demora é o fato de termos muitos processos em tramitação no Tribunal. Neste ano, até o dia 09 deste mês (novembro) foram introduzidas 356 pedidos no nosso Tribunal. Para cada causa são designados três juízes. O número escasso de servidores da Justiça Eclesiástica, com certeza impede uma celeridade maior dos processos. Já aconteceu de ficarmos mais de seis meses para conseguir ouvir alguma das partes envolvidas no processo. Não por demora de nossa parte, mas por falta de resposta da parte.

– Que orientação a Câmara dá para quem deseja iniciar um processo e quais são os casos mais comuns de possibilidade da verificação da nulidade?

> A nossa orientação é que a parte ou partes interessadas procurem no Escritório da Paróquia onde reside o Roteiro que deixamos nas Paróquias. Pode ser pedido diretamente para a secretária paroquial, que acreditamos, estão orientadas pelos párocos respectivos para fornecer esse Roteiro. Podem também nos procurar na Câmara ou diretamente na Cúria que pode fornecer esse Roteiro. Querendo, a pessoa pode nos solicitar o Roteiro também por e-mail, que consta na página eletrônica de nossa Diocese.

Como foi definido em reunião do clero da Diocese, todos os pedidos devem ser encaminhados à Câmara, para avaliação previa ou, quem sabe, até para alguma correção necessária antes de encaminhar ao Tribunal. Ganhamos tempo também, encaminhando o pedido já avaliado.

Não existem casos mais comuns. O que tenho pedido: ME CONTE A SUA HISTÓRIA. Cada caso é um caso.

– Como é a tramitação de um processo de nulidade matrimonial?

> Ao mesmo tempo que complexa, é bastante simples.
1. Temos um pedido apresentado por uma ou pelas duas partes envolvidas;
Se apresentada por uma das partes, a outra parte é chamada a tomar conhecimento do pedido para apresentar sua versão ou visão dos fatos;
2. As testemunhas, em número de três são chamadas a prestar depoimento;
3. O processo é publicado e por fim vai a julgamento.
4. O Defensor do Vínculo participa de todo o processo e vai se manifestar várias vezes durante o mesmo.
As testemunhas apresentadas não podem ser somente pessoas que se disponham a comparecer. É necessário que sejam pessoas que conheçam a história de vida do casal desde o tempo do namoro. Não há impedimento para parentes serem testemunhas.
O processo é sempre sigiloso. Somente as duas partes envolvidas podem ter informação do mesmo. É comum que o atual companheiro das partes queiram informação sobre o processo. Nunca obterão informação, por mais simples que seja.

– Qual o acompanhamento pastoral para com os casais em segunda união?

> Sobre o acompanhamento pastoral para esses casais, compete às paróquias. O Tribunal não faz esse tipo de acompanhamento.

– Uma pessoa que passou pelo processo e teve seu casamento declarado nulo pode casar-se novamente. O procedimento para o sacramento é o mesmo dos demais casais ou há um atendimento especial?

> Ao se preparar um Processo de Habilitação Matrimonial para o casamento na Igreja, no caso de pessoas que tiveram o casamento declarado nulo, o pároco sempre deverá pedir a licença do bispo do lugar. Fazemos notar que a licença deve ser pedida também em outros casos, não necessariamente só para quem teve um casamento anterior declarado nulo.
Para se contrair núpcias válidas na Igreja, depois de um casamento declarado nulo, sempre se deve observar o que foi prescrito na sentença, além dessa licença do bispo. Também seria muito salutar que os respectivos párocos, se ainda não o fazem, que ao iniciar uma celebração de matrimônio nesse caso, comunicasse à assembleia que aquela pessoa que está se casando na Igreja, teve o seu matrimônio anterior declarado nulo.

– Qual a média de processos têm sido atendidos pela diocese? Já houveram muitos processos finalizados? Quais os casos mais comuns?

> Nunca parei para contar quantos processos atendidos pela diocese. No início desse mês, foram julgadas 9 causas de nossa diocese, todas com sentença favorável à nulidade. São muitos. Estão incluídos naqueles muitos que chegam ao Tribunal todos os anos. Quase todos os processos que chegam ao Tribunal tem sentença positiva, ou seja, o matrimônio é declarado nulo. A razão disso é que, como disse, o Tribunal só pode aceitar o pedido se há fundamento para o mesmo.

– Quais os outros assuntos tratados pela Câmara Eclesiástica?

> A Câmara trata tão somente dos assuntos remetidos a esta pelo Tribunal. No caso de nossa Câmara, até o momento, somente casos de nulidade matrimonial.
No caso do Tribunal a competência do mesmo é para tratar de todos os casos que o Direito Canônico trata, a não ser que o mesmo defina algo diferente.

Um exemplo: No caso de um padre que pede para deixar o Ministério Sacerdotal, caso que compete aos Tribunais de Roma, se este remeter ao Nosso Tribunal, no caso, fazemos aquilo que nos é pedido.

O assunto canônico, depende da competência indicada no Código de Direito Canônico.

– O Papa Francisco alterou, em 2015, alguns dispositivos do Código de Direito Canônico que deixaram os processos mais acessíveis e rápidos, além de dar maior centralidade aos bispos diocesanos nas decisões. O que mudou desde então e quais as vantagens que o senhor enxerga?

> Sobre acessibilidade não tenho muito o que dizer. Desde 1996 tenho trabalhado na diocese com esta área e sempre estivemos disponíveis para atender os que nos procuram. Sempre houve na igreja essa possibilidade. O que não havia era muita visibilidade. Com a nova legislação, aconteceu uma ampla divulgação daquilo que temos hoje. Na realidade a Legislação praticamente permaneceu. O que mudou foi a aplicação da mesma. Três pontos, basicamente, facilitaram isso.

O Fato de não haver mais necessidade de uma segunda sentença de um segundo Tribunal. Um tribunal único pode declarar nulo um casamento e a sentença se torna definitiva não havendo recurso contra a mesma dentro do prazo legal.

A mudança do Tribunal de competência.
O processo breve diante do bispo.
(O Rito Processual é definido pelo Tribunal).

– Que orientações o senhor dá como padre para aqueles que buscam o casamento? Como as pastorais podem trabalhar no sentido de valorizar o Sacramento?

> Pensem bastante antes de darem um passo tão importante na vida de vocês. Casar não é só morar junto. Casar não é brincar de casinha, nem ter mais liberdade para muitas coisas. Casar traz enormes responsabilidades. Conheçam bem um ao outro. Ao se casarem, vocês não vão mais viver a vida de cada um isoladamente. Cristo já nos adverte: “Os dois serão uma só carne” (Mc 3). Conheçam bem a família do outro. Se optarem pelo casamento, que seja uma escolha livre, sem nenhuma pressão interna e nem externa. O casamento é também para a felicidade. Nossa felicidade depende da nossa escolha.