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DONA NHÁ – LOUVOR E GRAÇA

Alegres cantemos louvores

Saudando a celestial Maria

E com pequeninas flores

Vamos coroá-la neste dia.

(Hino de coroação do mês de maio/Itaguara)

Tudo tem uma história. Hi[e]stórias. A linha do tempo é um convite para lembrar pessoas, fatos, acontecimentos. O passado, à luz do presente, está sempre em movimento. Alarga, integra e enriquece a história. A história de Dona Nhá – Maria Aparecida Freitas Lima – marca o “tempo sagrado” do mês de maio, pontuando festas, orações e devoções. A sua simplicidade corajosa era o início de uma resposta – humanizar as relações sociais das crianças pela educação musical. E, assim, começar afinando as relações, os gestos; musicalizando a infância com o sagrado.

Com carinho e dedicação, ensaiou gerações de crianças para a coroação de Nossa Senhora, em Itaguara. Com emoção e a seiva da fé, ela dava voz às meninas que inauguravam o Mês de Maio, cantando o hino “Celestial Maria”. Tempo que lembra cuidado, valores e convivências mútuas. Em tudo transparecia a alegria, o lúdico, a disciplina, a festa. Em fila, na porta da Igreja e de mãos dadas, as meninas respiravam com utopia e respeito. Dona Maria Aparecida, a “Mestra Nhá” das coroações, utilizava as demoras para posicionar as meninas, anjos em cores de horizonte! Tudo ensaiado, preparado e organizado. Não era uma tarefa fácil. As vozes como um leve voo de pássaro deveriam encontrar ressonância e abrigo. Desafiar o medo e evocar o encontro com Maria, Mãe de Deus. (Ai de quem desafinasse!). Uma atenção, com espontaneidade e ordem, revelava o cuidado que contornava cada movimento. Assim eram as coroações – cultivo e louvor. Um mistério envolvia as crianças nesse como fazer. Sem receitas, sem caminhos prontos. Como lembra o poeta Manoel de Barros: “Repetir, repetir – até ficar diferente”. O ofício desse louvor era tecido com método e mística.

Cada ano era uma comunhão de lembranças e valores. Uma grande poesia cujas raízes permaneciam e marcavam uma etapa da vida. Tão grande o simbolismo para colocar o terço, o véu, a palma e a coroa na imagem de Nossa Senhora das Dores, que era quase trazer o mundo para dentro de si mesma! A infância e suas cores se eternizavam na memória. O sino, a campainha, as flores e as palmas ultrapassavam os limites da igreja, com tantas pessoas, velas e flores. Só a ternura é capaz de sublimar a devastação do tempo. Assim, acontecia o chamado da infância para a adolescência e dessa para a juventude – caminho para atitudes de serviço e solidariedade. Sem livros, sem giz, Dona Nhá foi uma educadora. No caminho da arte musical, contribuiu para florescer os sonhos em muitas gerações. Sonhos para um cardápio de fraternidade, respeito e esperança.

Amor é só sacrifício? Amor é também dedicação e cuidado, por isso, suporta o sacrifício. Em um poema, Cora Coralina lembra: “Trago mais esperança nos meus passos, que tristeza nos meus ombros”. O amor empolga, impele e gera alegria. Assim, caminhou Dona Nhá. Com seu simples e persistente ofício do canto, partiu do “aqui e agora” para a intimidade com Deus. De bem com a vida, brincou com o tempo, sem perder as pétalas da memória. Assim, pôde fazer de sua vida um ensaio para saudar a “Celestial Maria” e agasalhar-se na sombra do amor de Deus. Viver em clima de fé confere um sentimento de eternidade. A mensagem cristã é vida para frente. Mais ainda: um habitar em si mesma.

Aqui continuamos, Querida Dona Nhá, com uma delicada saudade, “cantando os louvores com pequeninas flores”. É um exercício do amor que você mesma deixou para a comunidade de Itaguara – um “para casa” – como construção de ternura e esperança.

Para Jorge Luis Borges, um escritor argentino, o céu deveria ser uma grande biblioteca, da qual nunca se sai do mesmo jeito. Diferente do seu, Dona Nhá, que deve ser um eterno mês de maio, em gestos de oferta e partilha. Assim, as coroações hão de caber e sobrar em suas mãos como convite e gratuidade! E seu grande louvor será pela humanidade toda, principalmente pelos mais pobres e frágeis. E Maria, a Mãe de Deus, será a Nossa Senhora dos Cuidados Humanos. Berço de novos encontros para suavizar a caminhada como convite, dádiva e partilha.

Na experiência de perda, fica o sentido profundo e substancial de seu carinho com o mês de maio. A afirmação de sua vida continua no seu exemplo, na sua dedicação às crianças e no seu canto ausente. São fios que sustentam seu exemplo num grande hino de amor à Mãe de Deus.

Agora, tocada pela ternura do amor de Deus, viva a festa do seu olhar. Com a ressurreição de Jesus de Nazaré, a esperança nos mantém. É passagem que continua.

Prof. Mauro Passos

Presidente do Centro de Estudos de História da Igreja e do Cristianismo na América Latina (CEHILA)

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