Jesus Abandonado
O Papa São João Paulo II, refletindo sobre a dor do abandono do Pai, experimentada por Cristo na cruz, lembra as palavras de São Paulo, na sua Segunda Carta aos Corintios 5,2, onde se lê: “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado, por causa de nós”. – E Cristo, ao experimentar, ainda que por um instante, apenas, o inexprimível sofrimento da separação, da rejeição, do abandono do Pai, na ruptura com Deus, consequência do pecado, deixa escapar aquele alucinante grito: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” (Mt27,46).
Aquele foi o momento em que Jesus mais sofreu, pois foi o momento em que experimentou o sofrimento do homem sem Deus, do homem que se afastou de Deus pelo pecado. – Naquele momento em que Cristo proferiu o seu grito de dor, Ele falava a linguagem angustiada da humanidade. – Com efeito, lemos nas Sagradas Escrituras, que Jesus carregou sobre si os nossos pecados, por amor e obediência ao Pai e por amor a nós, realizando, assim, o que Ele mesmo ensinou: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos que ama”.
Talvez, nunca, como hoje, a humanidade tenha vivido esta angústia interior e exterior do abandono, da solidão, fruto, sem dúvida, de uma sociedade sem Deus, de uma sociedade de consumo, fruto de uma estrutura política falha, fruto do capitalismo selvagem. – Uma sociedade sem Deus faz o homem sentir-se solitário, frustrado, marginalizado, abandonado, mesmo no meio de tanta gente que o cerca. – O homem de hoje, não obstante os recursos da tecnologia, do progresso material, parece sentir-se abandonado de todos e de tudo. – Nada ao seu redor, consegue preencher esse vazio existencial de sua vida. – Ao divinizar a riqueza, o Poder, o Estado, o sexo e até o seu próprio ser ou a sua própria razão, o homem se escraviza e acaba se sentindo cruelmente abandonado também de Deus. – Foi o homem que abandonou a Deus pelo pecado, mas, não assumindo a sua culpa, se sente abandonado de Deus.
Se quisermos dar um sentido cristão à dor, à dor do abandono, á dor dos sofrimentos em geral, temos que unir os nossos sofrimentos, aos sofrimentos de Cristo na cruz, aos sofrimentos de Cristo que se abandonou, se entregou ao Pai, por nós. – Enxertados na cruz de Cristo, os nossos sofrimentos, os nossos sacrifícios, as nossas dores, produzirão mais frutos, passarão a adquirir, para nós, um sentido de redenção. – Se aceitarmos o convite de Cristo, para uma vida de renúncia, se aceitarmos carregar com Ele a nossa cruz de cada dia, estaremos renovando o Sacrifício Redentor de Cristo na cruz e passaremos a sentir a alegria da ressurreição, pois o Jesus abandonado é passagem para o Jesus Ressuscitado, de acordo com o mistério Pascal.