MISTÉRIO DE AMOR: CORPO DADO E SANGUE DERRAMADO
A Missa deste dia normalmente se encerra com a solene procissão do Santíssimo Sacramento pelas ruas de nossas cidades e com as três grandes bênçãos dadas pelo Senhor à cidade e ao mundo. A pandemia nos faz substituí-la por uma simples carreata.
Celebramos a Eucaristia como memorial permanente do Senhor, que vive em sua Igreja, cumprindo de modo especialíssimo sua promessa: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Cumpre-a pela celebração eucarística, onde Se dá como alimento aos que escolheu como seus pelo Batismo; cumpre-a pela renovação sacramental do sacrifício do Calvário; cumpre-a pela permanência sob o véu do Sacramento, em cada uma de nossas igrejas, onde a luz bruxuleante da lâmpada sinaliza a escondida presença d’Aquele que é a “verdadeira luz que ilumina todo homem” (Cf. Jo 1,9) neste mundo. De fato, o verdadeiro Pão do Céu se esconde no tabernáculo, para ser levado aos doentes como viático e ser adorado pelos fiéis.
Mas, por que indo ao Pai, Jesus quis também ficar entre nós? – Quis permanecer conosco para que não O esquecêssemos, para que nos recordássemos de que Ele nos deu efetivamente sua vida no Calvário pela nossa Salvação. Não há milagre maior no mundo que essa divina presença! Deus e homem se faz pão e vinho para a nossa salvação!
A primeira leitura recorda-nos a celebração da Antiga Aliança no Sinai. O povo de Deus, em conjunto, prometeu guardar os mandamentos que recebera do próprio Deus: “Faremos tudo o que o Senhor diz” (Ex 24,3). E Moisés aspergiu o povo com o sangue do sacrifício dos novilhos. O mesmo sangue era oferecido a Deus pelo povo, como sinal do compromisso dos homens, e recebido de Deus como sangue de aspersão a selar a aliança prometida.
Jesus, ao instituir a Nova Aliança, também a quis selar com a aspersão do sangue, sinal da vida toda entregue a Deus por nós e a nós, para que sejamos santos como Deus é santo. Mas não o fez com o sangue de animais, senão com o seu próprio sangue. Ele quem nos diz: “Sede perfeitos como o Pai dos Céus é perfeito (Mt 5,48). E, para que não nos desculpássemos de que é impossível e difícil viver como santos, deu-nos um mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12) e um alimento novo: “O pão que Eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 5,51c).
Resumida a Lei, para que não nos fosse pesada e alimentado o corpo e a alma, para que pudéssemos cumpri-la como “jugo suave e fardo leve” (Mt 11,30). Primeiro compromisso dos que participam da Eucaristia: amar os irmãos.
Se comungamos todos os dias, ou o mais frequentemente possível, pouco a pouco nos transformamos n´Ele, só a Ele desejaremos e somente sua vontade se realizará em nós. Então seremos inteiramente nós mesmos! Porque fomos criados à imagem e semelhança da Trindade, chamados à “estatura do homem perfeito em Cristo Jesus” (Ef 4,13).
Ele cumpriu inteiramente sua promessa na Ceia e a selou na Cruz. Ceia e Cruz se encontram, porque é o mesmo Jesus que se dá ao Pai e à humanidade, inteiramente na Ceia e inteiramente na Cruz. Não poderia dar-se senão inteiramente, por ser verdadeiramente Deus e verdadeiro homem, todo amor.
O Amor não se dá senão de modo inteiro e derramado como do vaso de alabastro, quebrado a espalhar o perfume de nardo em casa de Maria de Betânia (cf. Jo 12,3-4). Ele Se dá inteiro, no seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, a cada um de nós nas espécies sacramentais do pão e do vinho.
Cenáculo e Calvário fazem assim um único e mesmo altar, porque verdadeiro altar é o Corpo de Cristo, Sacerdote, Altar e Vítima. Por isso, o autor da Carta aos Hebreus nos ensina: “Temos um altar do qual os que servem na tenda (isto é, os judeus) não podem comer” (Hb13,10).
O mesmo autor sagrado nos ensina que “Cristo, vindo como Sumo Sacerdote dos bens futuros, usando uma tenda melhor e mais perfeita, não feita por mão humana, isto é, não deste mundo criado, levando não sangue de bodes e bezerros, mas seu próprio sangue, entrou definitivamente no santuário e obteve o resgate definitivo” (Hb 9, 11-12). Os bens futuros são os definitivos, a tenda não feita à mão é o seu Corpo (cf. Jo 2,18-21). A vítima é Ele mesmo em seu Corpo e Sangue, o santuário é o céu.
Na Última Ceia, antes da consumação de seu sacrifício na cruz, instituiu este sacramento. “Tomou um pão, pronunciou a bênção, o partiu e o deu dizendo: – Tomai, isto é o meu Corpo” (Mc 14,22). E tomando o cálice disse: “Este é o meu Sangue da aliança que se derrama por todos” (Mc 14,24). “Isto é o meu Corpo. Este é o meu Sangue”. Quem duvidaria das palavras do Senhor? Ele mesmo o disse e acrescentou: “Fazei isto em minha memória” (1Cor 11,25).
Quando anunciava aos discípulos, no capítulo 6 do Evangelho de São João, o significado do seu sacrifício, diante do escândalo daqueles que duvidavam: “Como pode este homem dar-nos sua carne a comer? ” (Jo 6,52), respondeu-lhes: “Se não comerdes a Carne e não beberdes o Sangue do Filho do Homem não tereis a vida em vós. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue terá a vida eterna e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54). E interrogando-os, diante daqueles que O abandonaram, escandalizados com sua afirmação, se eles também desejavam ir embora, recebeu de Pedro esta resposta: “Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna! ” (Jo 6,68)
Jesus instituiu na Ceia, a Missa e o Sacerdócio, para que se perpetuasse o novo sacrifício da Aliança Nova. Com efeito, não há aliança sem aspersão de sangue nem sacrifício sem sacerdote que o imole. E se não existe Igreja sem Eucaristia, não existe Eucaristia sem sacerdote que a consagre. Este dia de hoje, nos leva assim a um segundo, terceiro e quarto compromissos: de nos preparar bem para a comunhão, de rezar, trabalhar e incentivar as divinas vocações para o ministério sacerdotal e pela santificação dos sacerdotes.
Preparar-nos bem para a comunhão: de que modo? A própria celebração eucarística nos ensina: Pelo arrependimento e confissão frequente dos nossos pecados: “que esta comunhão não se torne para nós causa de juízo e condenação, mas sustento e remédio para nossa vida”, reza o sacerdote antes de comungar em cada Missa que celebre. Pela leitura, escuta e atenciosa meditação de sua Palavra: “Quem me ama guarda a minha palavra, meu Pai o amará e faremos nele nossa morada”. (Jo 14,23). Pela postura respeitosa na assembleia eucarística e nas igrejas: a roupa modesta e decente, o silêncio orante, o ajoelhar-se adorador de quem se reconhece criatura diante do Criador e Redentor nosso. Pela fé, que se esclarece no estudo do Catecismo; na participação, cada um segundo sua vocação, nos diversos movimentos e pastorais de nossas paróquias. Pela caridade, expressão da verdade de nossa fé; no amor aos irmãos, manifestado no carinho, na boa educação, no silêncio respeitoso, no cuidado com os doentes, sofredores e pobres deste mundo.
Mas tudo isto? – poderíamos perguntar. Seria muito, se Jesus mesmo, Homem e Deus, o Crucificado e Ressuscitado, não viesse nos sustentar no caminho, até a entrega da vida, se preciso for, em testemunho da verdade de sua presença eucarística.
Como esquecer neste momento, o Beato Mateus Moreira, leigo e mártir do Rio Grande do Norte, brasileiro como nós, declarado patrono dos Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística? Ao ter arrancado o seu coração pelas costas, gritou em voz alta, ainda uma vez, a sua profissão de fé: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento! ”
Que Maria, mulher eucarística, de quem o Senhor quis receber seu corpo na encarnação, nos ajude a reverenciar, a adorar e a nos alimentar dignamente desta inefável e misteriosa presença até o dia em que, no céu, poderemos também cantar, já na visão face a face, a suave antífona de hoje: “Ave verdadeiro corpo nascido de Maria Virgem! ” E, passada essa pandemia, possamos de novo voltar à celebração presencial da eucaristia, modo único e insubstituível de união com o Senhor na comunidade!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
+ Dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro
- Foto: Sidney Almeida