O PÃO MULTIPLICADO: MEMÓRIA E PRESENÇA
São João, em seu evangelho, usa o termo ‘sinais’ para referir-se aos milagres de Jesus. Hoje vemos a multiplicação dos pães. Na primeira leitura, ouvimos um dos milagres do Profeta Eliseu, quando um homem lhe apresentou dos primeiros frutos da terra: vinte pães de cevada e trigo novo. Eliseu mandou que os distribuíssem a cerca de cem pessoas e ainda sobrou pão (cf. 2 Rs, 42-44). Também Moisés, no deserto, pela sua oração, fizera descer pão do céu, o maná, que alimentou o povo em sua jornada para a Terra Prometida.
Agora, é Jesus quem multiplica cinco pães e dois peixes para cinco mil homens. E ainda sobraram dos pedaços recolhidos, doze cestos cheios, sinal das Doze Tribos de Israel e do Pão Eucarístico multiplicado na Aliança Nova em todos os cantos da terra onde está a Igreja.
Era a proximidade da Páscoa. Jesus, como novo Moisés, subiu ao monte com os discípulos, certamente para descansar e estar com o Pai, como em tantas outras vezes. Mas “uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes” (Jo 6,2).
Vendo tanta gente que O buscava, teve compaixão e provocou a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer? ” (Jo 6,5b) A resposta de Filipe era totalmente razoável. Nem duzentos dias de trabalho – um denário equivalia a um dia de serviço – dariam para comprar pães para toda a multidão.
A intervenção de André, irmão de Simão Pedro, provoca o milagre: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente? ” (Jo 6,10).
Jesus mandou que os discípulos organizassem o povo na grama, deu graças (eucaristia) e distribuiu a todos o quanto queriam. Era um milagre estupendo e um sinal que apontava para algo mais! “Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: ‘Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo. ’ ” (Jo 6,14) Jesus revelava sua condição de Messias e sua divindade ao multiplicar pães e peixes.
Se continuarmos a ler o capítulo 6 de São João, nele Jesus se revela como o Pão da Vida e anuncia a Eucaristia, que instituiria como memorial da Nova Aliança, em que seu Corpo dilacerado na cruz e seu Sangue derramado se tornam para a Igreja, alimento de salvação eterna, sinal e vínculo de unidade. No recolher dos pedaços que sobraram, vemos o cuidado de Jesus em nada desperdiçar dos alimentos. Sabemos que com o que se desperdiça cada dia no mundo se alimentaria a fome de todos os que passam necessidades. Mas o gesto de Jesus sinaliza também o cuidado e o respeito que devemos ter com o Pão Eucarístico, para que nada se perca, porque o Cristo se faz todo inteiro em cada fragmento de pão consagrado em cada Missa.
A Eucaristia faz a Igreja e a Igreja vive da Eucaristia: “Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos” (Ef 4,4-6).
Neste primeiro Dia Mundial dos Avós, possamos aprender deles o respeito, a devoção e cuidado eucarístico, pela devoção adoradora, pela boa preparação para a comunhão e pelo silêncio respeitoso diante do Senhor.
Em sua mensagem para este ano, o Papa Francisco nos recomenda três pilares para a nova construção do mundo: o sonho, a memória e a oração.
Recorda-nos que o futuro do mundo está na aliança entre os jovens e os idosos: “Os vossos anciãos terão sonhos e os jovens terão visões” (Joel 3, 1). Estes devem levar adiante o sonho de seus antepassados por um mundo melhor. Depois, escreve o Papa: “Recordar é uma missão verdadeira e própria do idoso: conservar na memória e levar a memória aos outros. Para mim, a memória é viver… Esta memória pode ajudar a construir um mundo mais humano, mais acolhedor. Mas, sem a memória, não se pode construir; sem alicerces, nunca se constrói uma casa. E os alicerces da vida estão na memória”. E, por fim, escreve: “Como disse Papa Bento (um idoso santo, que continua a rezar e trabalhar pela Igreja), ‘a oração dos idosos pode proteger o mundo, ajudando-o talvez de modo mais incisivo do que a fadiga de tantos’. A oração é um recurso preciosíssimo: é um pulmão de que não se pode privar a Igreja e sobretudo neste tempo tão difícil para a humanidade em que estamos – todos na mesma barca – a atravessar o mar tempestuoso da pandemia, a intercessão dos avós e idosos pelo mundo e pela Igreja não é vã, mas indica a todos a serena confiança de um porto seguro”.
Todos vamos passar, mas permaneça a memória de nossos atos de justiça, como os dos veneráveis pais de Maria Santíssima e avós de Jesus, São Joaquim e Santana, que celebraremos amanhã.
Dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro