PAIXÃO DO SENHOR 2021
A oração inicial desta liturgia, após a profissão de fé de que Cristo instituiu com seu Sangue a Páscoa da Nova Aliança, pede ao Pai que não se esqueça de suas misericórdias, nos proteja e nos santifique.
Em tempo de tanto sofrimento, como o presente, em que a pandemia de COVID-19 mostra-se mais agressiva que no ano passado, certamente o Pai não se esquece de suas misericórdias: “Poderá a mãe se esquecer de seu filhinho e mesmo se esquecesse, eu não me esqueceria de vós ” já afirmava pela boca de Isaías (Is 49,15).
Deus se compraz que recorramos a Ele, porque, assim, dele nos recordamos para amá-Lo. Ele não deseja outra coisa que ser correspondido em seu amor para conosco, porque o Amante quer ser amado. E, para que não nos esqueçamos de sua misericórdia que, ano após ano, renovamos na Liturgia o mistério da Paixão de seu Filho Jesus. Para que nos recordemos de seu amor infinito, a ponto de derramar seu Sangue por nós na cruz, nos inclinamos diante de sua imagem, do madeiro com a imagem do Divino Crucificado, d’Aquele que, fazendo-Se um de nós, “aprendeu a obediência pelo sofrimento” (Hb 5,8) e, sofrendo nossas fraquezas, compadeceu-Se delas e ensinou-nos como vencê-las, pregando-as em sua cruz.
Preguemos na cruz de Cristo nossos pecados, nossas dores, nossas tribulações, nossas fraquezas, nossas angústias e nosso luto, com a confiança de que Ele tudo venceu por nós. Assim nos libertaremos deles, porque “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,8). Foi por esta liberdade conquistada na cruz, que a Virgem Imaculada esteve de pé junto à cruz, com Maria de Cléofas, Maria Madalena e o Discípulo Amado no Calvário (cf. Jo 19,26).
Na cruz, comtemplamos toda a verdade do amor de Deus por nós, manifestado em seu Cristo. Na cruz, Pilatos teve a reposta à sua pergunta marcada de ironia e ceticismo: “Que é a verdade? ” (Cf. Jo 18,38)
Também hoje, nestes tempos de pluralismo religioso, de indiferentismo ao Evangelho, de relativismo moral, de descuido para com o planeta e de isolamento entre as pessoas, quando apresentamos a verdade da nossa fé, muitos nos interrogam: “Que é a verdade? ” Em meio à catástrofe econômica e de saúde que abala o mundo, muitos também nos perguntam: “Onde está Deus? ” (Sl 42,10). Mas, este grito é também o grito do mundo que tem sede de Deus. Como o grito de Jesus na cruz ao rezar, no mais profundo abandono humano, o Salmo 21: “Meu Deus, Meus Deus, por que me abandonastes? ”
Como para os primeiros cristãos, não temos outro caminho senão o de apresentar o Cristo Crucificado, em sua oferta voluntária ao Pai por nós, já manifestada na Última Ceia: “Isto é o meu corpo. Este é o cálice do meu sangue” (cg 1 Cor 12,27). Na cruz, podemos encontrar nosso caminho, nossa verdade e nossa vida. Já dizia Moisés no livro do Deuteronômio: “A vossa vida está suspensa diante de vós, escolhei a vida e vivereis” (cf. Dt 28,66ss). Na cruz de Jesus,contemplamos e aprendemos todas as virtudes e todas as bem-aventuranças. Na cruz, aprendemos que “Deus é amor” (1 Jo 4,8).
A fé nos leva hoje a contemplar a Jesus Crucificado, entre tantos outros que também morreram na cruz ou que nela morrem: na cruz da falta de fé, da pobreza, das doenças, do abandono, da pandemia, da irresponsabilidade. Mas, pela Ressurreição, sua cruz tornou-se sinal de vitória, quando o sepulcro se tornou vazio.
São Paulo nos recorda que a Igreja é o corpo de Cristo. Sua Cruz permanece atual no rosto de tantos crucificados de hoje, para os quais somos convidados a olhar como para Jesus, atendendo ao convite do profeta Zacarias: “Olharão para Aquele que transpassaram! ” (Jo 19,37). Tantos irmãos nossos, como novos homens das dores, macerados também nos sofrimentos físicos, espirituais e morais, que doem no mais fundo da alma. Deus está em cada um deles e em cada pessoa que a eles se dedica.
Contemplemos Aquele que foi transpassado, para estar de pé junto a Ele e na carne dos irmãos, curar suas feridas, consolá-Lo em suas aflições, ouvir as suas queixas… porque completam em sua carne o que falta à Paixão de Cristo em seu corpo místico (cf. Cl 1,23). Jesus ressuscitado continua a nos dizer: “Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos a mim o fareis” (Mt 25,40).
A lição da Cruz é a lição da caridade levada ao extremo, da entrega e da doação radical de Si mesmo. Aprendamos, pois, da Cruz, veneremos a Santa Cruz, por Aquele que nela se deitou e deixou-Se pregar por duros cravos, para que fôssemos livres. Diante dela, nos envergonhemos de nossos pecados, de nosso amor imperfeito, de nossa hipocrisia. Diante dela nos penitenciemos, diante dela nos coloquemos em prece, para que o Sangue que mana das Chagas e a Água que jorra do peito do Senhor nos recoloquem no caminho, no resgate de nossas dívidas e nos alente a esperança de um mundo melhor. Somente em Cristo seremos melhores, nós inteiros nele e Ele inteiro em nós.
“Não nos deixemos, pois, escravizar por coisa alguma” (Gl 5,2): pelo dinheiro, pelo consumismo, pela vaidade, pelas drogas, pela impureza, pela infidelidade, pela irresponsabilidade social ou pela preguiça espiritual, que é mãe de todos os vícios. Quando nos afastamos de Cristo, reina a barbárie, a violência e o medo: não é à toa que o mundo vive mergulhado nas drogas, na guerra, na corrupção e na polarização política que leva ao ódio.
Intercedam por nós a sempre Virgem Maria, mulher forte de pé junto à cruz; São João Evangelista, o discípulo que na Última Ceia escutou as batidas do Coração de Jesus, e a Madalena, de quem o Senhor expulsou sete demônios (Lc 8,2; Mc 16,9) e, daí em diante, O serviu na vida e na morte, tornando-se primeira testemunha da Ressurreição e Apóstola dos Apóstolos. Intercedam as santas mulheres que, de longe, olhavam impotentes a sua morte e o centurião que teve abertos os olhos da fé diante da morte do Justo (cf. Mc 15, 39-40). Intercedam todos os que se deixaram e hoje se deixam purificar pelo Sangue precioso de Cristo, lavando suas vestes no Sangue do Cordeiro (cf. Ap 22,14). Se somos fracos, em Cristo, com a prece de todos, nos fortaleceremos. Nele a nossa esperança de um novo tempo de Páscoa. Amém.
+ Dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro