QUANDO DEUS DEMORA
Por Pe. Diovany Roquim Amaral, pároco da Catedral de Nossa Senhora de Oliveira.
A demora de Deus é o espaço para a nossa liberdade. Imaginemos se o nosso jeito de tratar Deus fosse como se estivéssemos diante de um caixa de supermercado: “Eu quero chuva, saúde para minha família, passar no vestibular, novo emprego, etc.” Deus passaria aperto para satisfazer instantaneamente a todos e o jeito como fui atendido, a embalagem que veio e o prazo do atendimento seriam nossas próximas reclamações. Mas nossa relação com Deus, como foi ensinada por Jesus, é estar diante de um Pai, o Pai-nosso. Um pai ao cuidar de seus filhos não impede que eles experimentem a vida, aprendam com seus erros, acumulem conhecimento de uma determinada área,… O olhar de um pai atento e fiel, como nosso Deus, é para cuidar, fazer feliz, amar. O respeito que Deus tem pela nossa vida passa até por aceitar que Nele não acreditemos ou nos esqueçamos de como Ele é.
O bem é respeitoso, honesto, delicado e prestativo. Se Deus é o nosso maior bem, Ele é inteiramente prestativo, pois antes de pensarmos, Ele já sabe do que precisamos. Deus também é honesto, sua justiça não passa pela vingança, pela raiva ou pelo privilégio. A justiça de Deus supera (ainda bem!) a justiça dos homens. Deus é justo porque nos torna justo e não porque nos castiga, prende ou marginaliza. Deus é delicado para agir e tem o maior respeito pela sua obra. Deus não troca as leis da natureza mutilando o ecossistema, emitindo poluição. Deus viu o mundo e falou que tudo era muito bom. Deus não age como uma máquina registradora, mas age na vida que cresce delicada e bonita de uma flor que se abre pela manhã.
O processo lento para nascer, crescer e morrer revela a demora de Deus para os dias atuais. Um mundo vegetal, mineral e animal não se regenera na velocidade que os homens estão acumulando suas cidades. O nosso corpo para se recuperar de uma queda ou doença leva meses, até anos. É lento demais para compararmos com um carro na oficina. O tempo de Deus é diferente do nosso, pois, para Ele, mil anos são como um dia que passou.
O momento que Deus mais demorou para agir foi no calvário. Já tinha se passado um tempo incontável desde que o Criador manifestou os primeiros sinais de uma grande obra que estava começando. Ponto alto foi criar o homem, inteligente e livre para derramar no mundo o seu amor. Como o homem ficou como o juiz do mundo, Deus se fez pequeno para mudar o coração daquele que criou. Enviou profetas, juízes e reis, mas seu tempo e prioridade não foram compreendidos pelos homens. Por fim, enviou seu Filho Amado, Jesus Cristo, para estabelecer um novo tempo de paz, justiça e amor. Já era hora da transformação, chegou o tempo propício de Deus. Mas os homens se agarraram a seu velho tempo e a seus maus costumes e continuam matando a obra do Criador e crucificando seu Filho. Será que Deus não vai agir? “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?”, clamou seu Filho, fazendo-se a voz do novo homem. A ressurreição marca o início da virada, o novo tempo começou para nós. Mas será que já nos sentimos nesse novo tempo? Será que Deus continua a demorar?
Um bonito texto do Evangelho de Lucas no início do capítulo 18, fala do dever de orar e nunca desanimar, como uma viúva, sem posses e desamparada, que insistia com um juiz que não temia a Deus e também não se importava com os outros para fazer justiça. Tanto insistiu que ganhou. Mas na velocidade que o mundo está, será que vamos usar com sabedoria a nossa liberdade esperando que o julgamento de Deus virá? Conclui o trecho com uma pergunta de Jesus: “Será que quando o Filho do Homem vier, porventura achará fé sobre a terra?” Enquanto a planta de Deus está crescendo podemos fazer críticas, desanimar de esperar e perder a fé na ação de Deus, mas Deus mostra o caminho, basta que tenhamos a paciência em esperar. Conforme afirmamos, a demora de Deus é o espaço para nossa liberdade, pois quando Ele agir tudo estará no seu devido lugar, o problema é se a nossa liberdade nos colocará onde precisamos. Entre a liberdade e o desespero estamos num limite frágil. A fé é a segurança que o que fazemos não é em vão. Nossa missão consiste em viver entre o já e o ainda não. Amém!