SEMEAR A PALAVRA
Todos apreciamos as histórias. Quem não se recorda das histórias que aprendeu na infância e marcaram nossa vida e personalidade? A narrativa pátria constitui a identidade de cada povo, embora, muitas vezes, seja a história dos vencedores. Os pobres vencidos, que vezes não sabiam escrever, guardavam na memória os fatos e acontecimentos de sua identidade como povo. Daí a importância das narrativas tradicionais repassadas pelos mais velhos em todas as culturas.
A Bíblia também é a longa narrativa da história de um povo que descobriu a fidelidade de Deus que veio ao seu encontro e o reconhecimento de sua infidelidade como povo eleito. Mas a escrita sempre vem depois da vida, como forma de preservar e meditar os fatos.
Os evangelhos também são narrativas que contam a vida de um aparente fracassado na cruz. A experiência da Ressurreição fez com que os discípulos começassem a reunir suas palavras, as histórias que contava e seus milagres.
O Evangelho nos traz muitas histórias contadas por Jesus, as quais denominamos parábolas. Elas não são simples comparações porque trazem estranheza e mistério. Os discípulos perceberam isso quando disseram a Jesus: “Por que falas ao povo em parábolas? ” (Mt 13,10). Jesus respondeu, reportando-se ao profeta Isaías, que também usava parábolas para chamar a atenção do povo mergulhado na indiferença para com Deus:“Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado. Pois à pessoa que tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem será tirado até o pouco que tem. É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam nem compreendem. Desse modo se cumpre neles a profecia de Isaías: ‘Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure’ (Mt 13, 11-15). ”
Os orgulhosos costumam gostar mais dos discursos empolados que das pequenas histórias que trazem sempre um enigma. Os que têm o coração fechado, escutando não ouvem e vendo não enxergam os mistérios do Reino e são incapazes de acolhê-lo.
Jesus compara o seu Evangelho a uma semente. Ele mesmo é o semeador. O semeador a semeia com tal largueza que parece displicente, sem noção de plantio. Ele a deixa cair nas estradas, em terra, pedregosa ou espinhosa e em terra boa.
Discípulos de Jesus, devemos semear com persistência e largueza a Palavra de Deus, confiantes que a semente em terra boa produzirá frutos, trinta, sessenta ou cem por um; colheita mais que milagrosa.
Conta-se que Santo Antônio, na cidade de Rimini, vendo recusada a pregação do Evangelho ao povo, foi pregar aos peixes no mar. Era um gesto profético. Aqueles homens poderiam não deseja escutar a Palavra de Deus, porém ele continuaria a pregar, com confiança naquele que faz crescer a semente.
Jesus também explicou aos discípulos o sentido do enigma proposto em sua história. O coração das pessoas é como diferentes tipos de terra. A todos, no entanto, deve ser dada a oportunidade de ouvir a Palavra de Deus. Todos são chamados a ser discípulos, a se converteram e a caminhar com Cristo, mas nem todos respondem do mesmo modo. Alguns são indiferentes como a terra seca dos caminhos, onde as aves, que simbolizam o Diabo, não deixam que nasçam. Outros são solo pedregoso, em que nasce a semente e, por não encontrar profundidade, faz morrer a planta após o primeiro entusiasmo. Como os que, experimentando sincera conversão quando a Graça de Deus os tocou por um momento, por ocasião de um retiro ou outro acontecimento, desistem diante da primeira dificuldade. Em outros, a semente do Reino é sufocada ao nascer, pelos espinhos das preocupações diárias e pela ilusão da riqueza. Por último, aqueles em que a Palavra encontra solo fértil, produzem muitos frutos. E com que abundância! Pensemos na multidão dos santos, formados pela mesma Palavra de Deus e alimentados com o mesmo Pão Eucarístico. São apóstolos, profetas, mártires, virgens e confessores que produziram frutos ainda permanentes pelo seu testemunho perseverante de Fé, Esperança e Caridade!
A questão será sempre esta: “Que tipo de terra temos sido? ” Neste momento de distanciamento social, de reclusão em nossas casas, o Senhor nos chama novamente a ouvir e compreender sua Palavra na oração, para bem traduzi-la em nossa vida.
Aproveitemos este tempo! Poderá ser não só de sofrimento, mas de graça. Voltemos ao Evangelho, a meditá-lo como Maria, “que ouvia todas as coisas guardando-as em seu coração! ” (Lc 2,19). Seja ele vivido em amorosa companhia com Jesus como o tempo de Maria e José em Nazaré!
+ Dom Miguel Angelo Freitas Ribeiro
Reflexão linda e mto verdadeira! Que esse tempo de confinamento seja também um tempo de meditarmos sobre os ensinamentos de Jesus. Fazermos uma reflexão de como tem sido a nossa vida em relação ao próximo, as nossas atitudes, a paciência, a perseverança na oração e na fé, para que quando tudo isso acabar, nos torneios melhores, e vivamos segundo a Sua Palavra em todos os sentidos.
Como é bom semear a palavra.
Obrigada D.Miguel.
Quero aproveitar este tempo que estamos distantes para viver uma proximidade maior de mim mesma. Nunca tive tanto tempo para estercar a minha terra, arrancar as ervas daninhas e plantar flores…e cuidar de galinhas…colher ovos.
A parábola do Semeador me faz pensar em tudo isso….