LAVAR OS PÉS UNS DOS OUTROS
Reflexão sobre a Quinta-Feira Santa pelo Diácono Yuri Lamounier Mombrini Lira .
Com a celebração da Ceia do Senhor iniciamos o Tríduo Pascal, a grande festa da Igreja, na qual festejamos o Mistério maior de nossa fé. O mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é tão grande que não cabe num só dia. Desse modo, a celebração de Quinta-feira Santa, a Ação litúrgica da sexta-feira da Paixão e a Vigília Pascal são uma única celebração, que realizamos em três dias. Nestes dias não estamos apenas lembrando fatos acontecidos há mais de dois mil anos, mas os recordamos e como nosso povo costuma dizer: “recordar é viver”. Recordar é atualizar. Assim, revivendo os passos do Mistério Pascal de Jesus, nós nos tornamos contemporâneos de todos aqueles acontecimentos.
Nesta noite, em nossas comunidades nós seremos convivas da Ceia que Jesus realizou com seus discípulos. Na véspera da Paixão, Jesus se reuniu com os seus discípulos e celebrou com eles a Páscoa. Porém, a ceia de Jesus foi um encontro diferente, pois, ali o Mestre de Nazaré não celebrou o ritual dos judeus mas entregou aos seus discípulos um novo legado através da Eucaristia e do mandamento do amor.
Através da Eucaristia atualizamos o mistério pascal de Jesus em nosso cotidiano e as celebrações eucarísticas marcam o ritmo de nossa comunidade. É ao redor do altar do Senhor que encontramos o sustento para nossa caminhada. É uma oportunidade especial de encontro com Cristo e os irmãos.
O mandamento do amor expresso por Jesus com o gesto do lava-pés é uma atitude revolucionário que nos faz repensar nossas atitudes. Ao lavar os pés dos discípulos Jesus faz uma tarefa que era reservada aos escravos e essa atitude causou desconforto e incômodo entre os discípulos. Pedro, inclusive, a princípio recusou ter os pés lavados por Jesus: “Tu nunca me lavarás os pés” (Jo 13, 8). No entanto, Jesus lhe mostra que quem estiver disposto a segui-lo precisa aprender que na comunidade dos seguidores de Jesus não existe ninguém que seja maior ou melhor, todos são como irmãos. O gesto do Mestre de Nazaré é mistagógico e pedagógico, ele é o primeiro a realizar para mostrar aos discípulos como eles devem fazer. “Também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
O mandamento do amor nos leva a perceber que o verdadeiro poder é o serviço! O papa Francisco tem nos falado com insistência: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (EG, N.49). O gesto do lava-pés realizado por Jesus na última ceia é o gesto que melhor representa essa “Igreja em saída” de que fala o Papa Francisco.
Participar da celebração do lava-pés é sempre emocionante, pois esse gesto sempre nos comove. No entanto, é triste perceber que é tão difícil concretizar esse gesto em nosso cotidiano. Existem tantas desavenças entre nós. Diariamente, inúmeras são as cenas de ódio que acompanhamos pelos noticiários, em nossa rua ou até mesmo em nossas casas. Infelizmente, também dentro da Igreja, ainda existem rixas e divisões. Esquecemo-nos de que em Cristo “somos todos irmãos” (Mt 23, 8). Isso tudo nos leva a pensar no que podemos fazer para que o lava-pés não seja visto apenas um gesto teatral revivido a cada ano na quinta-feira santa mas que seja concretizado em nosso cotidiano.
Em nossas comunidades podemos dar um testemunho cheio de coragem, principalmente, se com Cristo, redescobrirmos a mística do “lava-pés”. Como Jesus lavemos os pés uns dos outros, na maioria das vezes não precisaremos nem de bacia nem de toalha, bastará apenas, uma palavra ou um gesto. Não nos esqueçamos de que como discípulos de Jesus nossa preocupação não deveria ser com títulos ou aplausos, mas sim, em nos dispormos a “em tudo: amar e servir” e assim a Páscoa de Jesus acontecerá em nós.